segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Bolonha 2- O discurso científico e «o discurso achativo»

Há uns anos, Louis Porcher escrevia um artigo sobre «o interessante e o demonstrativo» (Etudes de Linguistique Appliquée Nº 60- Didier Érudition «L'intéressant et le démonstratif ») que, no tom ligeiro dos blogues, procuro parafrasear de memória. Referia o autor que um dos riscos da investigação em Didáctica das Línguas (e da Educação e de... acrescento eu) é ... o cair no interessante.

Hoje, tenho uma guerra com muitos estudantes quando corto alguns parágrafos ( e estou a tentar, com este artigo - aula a distância, não cortar, no futuro, nos trabalhos dos estudantes em Mestrado em Ensino do Inglês e Francês no Ensino Básico, da ESECB) porque são interessantes. Outros colegas utilizam um termo com carga mais negativa e designam-nos como «achativos».

O «achativo« provem de uma moda pedagógica que ajudei também , possivelmente... a lançar sobre a importância de «dar voz aos aprendentes»! E até aqui estou de acordo. Só que há que distinguir situações e discursos. Posso manifestar-me sobre a crise e ter um discurso «achativo» com os meus amigos, mas não posso ter um discurso demonstrativo e, por isso, não me pronuncio sobre economia neste blogue. Também no Ensino Básico e Secundário é importante que os alunos se pronunciem sobre determinados assuntos, mas não podem ter opiniões sobre assuntos que não dominam. Pela mesma razão, na licenciatura e no mestrado, não podem começar por dizer que, por exemplo, « os Quadros interactivos multimédia (QIM), os blogues, as redes socias, as plataformas, os manuais, um manual... são muito importantes em educação» ou «que o autor x não tem razão!!!» se não fizeram leituras, se não analisaram os contextos de utilização, se não analisaram aulas com ..., se não «experimentaram»,se não analisaram os dados, se «não fizeram falar os dados» ...

Este é um dos problemas dos estudantes de todos os ciclos do Ensino Superior e de muitos professores. Também eu tenho discursos «achativos», por exemplo, aqui e agora.

Mas, sem entrar em grandes explicações, e recorrendo também de memória a Culioli, parece-me que a distinção (estou a reduzir a tipologia de Culioli) entre modalidade epistémica, apreciativa e deôntica poderá ajudar os estudantes a aproximar-se dos discursos ditos científicos ou de mediação, vulgarização, como este em que escrevo o blogue. Em termos pouco especializados, posso definir modalidade ou de modalização como a maneira como eu me «aproximo» ou «distancio» dos discursos que produzo. Posso emitir uma hipótese ou dar uma certeza baseada no consenso na «comunidade científica» ou em autores e digo «Louis Porcher distingue o discurso interessante do demonstrativo», situando-me numa modalidade de tipo epistémico. Não sou eu que digo ou que questiono. Posso utilizar uma modalidade apreciativa: O que Louis Porcher designa como interessante eu designo como achativo». Ou «o artigo de L.Porcher é muito interessante».

Esta modalidade encontro-a em quase todas as primeiras versões dos trabalhos que me apresentam. E normalmente comento o seguinte: «se já tinha tanta certeza por que está a fazer uma investigação sobre o assunto?».

E depois pode distinguir-se a modalidade deôntica «Os professores devem utilizar computadores, ... na sala de aula».

Pior ainda é quando o mestrando faz dizer a um autor o que ele nunca disse. Exemplo: Baseada em x autores, estabeleço uma tipologia de comportamentos não verbais. Situo-me na modalidade epistémica, reconstituindo o percurso dos conceitos e definindo-os. Encontro em alguns trabalhos que leio o seguinte: «Ferrão Tavares acha que os gestos ilustrativos... são muito importantes para o professor»- modalidade apreciativa. Ou, ainda:«Os professores devem fazer muitos gestos na aula»!!!- Modalidade deôntica.

Um tratamento aprofundado da modalidade pode ser lido,por exemplo, em Valentim, Helena
Modos gramaticais e modalidades. Algumas particularidades do Português Europeu
http://iberystyka-uw.home.pl/pdf/Dialogos-Lusofonia/Coloquio_ISIiI-UW_32_VALENTIM-Helena_Modos-gramaticais-e-modalidades.pdf

Se não se podem apagar vozes dos autores que co-constroem os textos, também não basta fazer colagens de citações. Mas isso será matéria de outra «aula».

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